Ser mau e/ou ser bom

Por: JOÃO MARTINS, Revista Audácia, Outubro de 2010.

Ouvimos frequentemente dizer que as pessoas se dividem entre boas e más. É um rótulo muito radical, extremamente definitivo e, se calhar, por vezes não tem fundamento.

Não é assim tão raro acontecer que dêmos connosco a pensar sobre o comportamento daquela pessoa, nossa conhecida, de quem esperávamos tanto, mas que afinal nos desiludiu. Do mesmo modo, muitos de nós já passámos pela sensação de surpresa perante uma boa acção de alguém que tínhamos por má pessoa. É caso para pensarmos que talvez não haja ser humano totalmente bom nem totalmente mau…

É desta pequena mas interessante questão que nos fala um filme sul-africano, de 2005, chamado Tsotsi.

Delinquente surpreendido

A história de Tsotsi é, inicialmente, bastante simples e corrente: um jovem, de 19 anos, vive sozinho num bairro pobre da África do Sul. Lidera um bando criminoso, que ocupa o seu tempo a matar e roubar pessoas.

Em certa ocasião, Tsotsi, o nosso herói, rouba um automóvel de uma família rica. Como não sabia conduzir, acaba por se despistar e ter um acidente. É neste momento que, preparando-se para fugir e deixar o carro ao abandono, repara que no banco de trás, instalado numa pequena e confortável cadeira, se encontra um bebé, quase recém-nascido. Tsotsi fica intranquilo, sem saber o que fazer, simultaneamente tocado e revoltado com aquele empecilho. Depois de pensar duas e três vezes, decide levar a criança consigo para a sua paupérrima casa.

Verde nos carinhos

Em casa, Tsotsi depara-se com o rebuliço que um bebé cria. Ele, inexperiente no papel de pai, segura nas suas mãos sujas de sangue uma criança inocente, que lhe pede, num choro carinhoso, comida, fraldas, água e carinho.

Quem está, afinal, apto a tratar de um bebé?

Diremos, de imediato, que um criminoso profissional não se encontra nesse grupo de pessoas. Mas é então que Tsotsi nos dá uma lição: o jovem bandido começa, lentamente, a preocupar-se com a sua nova companhia. Procura formas de alimentar a criança, limpa-a, troca-lhe a fralda suja por uns restos de jornal. Mais adiante, verificando que a sua habilidade não é suficiente, parte em busca de alternativas e, encontrando uma jovem mãe que também vive no seu bairro, pede-lhe que amamente o bebé, a quem dá o nome de David.


E depois do afecto?

À medida que Tsotsi se afeiçoa ao seu novo amigo David, começa lentamente a abandonar a vida criminosa. O seu coração recebe uma mensagem de esperança e de amor, que o transforma e o leva a optar pelo bem. Percebemos, então, que por trás do ódio e raiva que comandavam a vida de Tsotsi está um passado de tristeza e sofrimento, está a criança abandonada que foi o nosso herói.

Tendo-se tornado uma pessoa diferente, Tsotsi defronta-se agora com um dilema: entregar, ou não, o seu bebé aos verdadeiros pais, a quem ele acidentalmente tirou o filho, quando pretendia apenas roubar um carro. Não revelarei se Tsotsi devolve ou não o seu já amado amigo. Os mais curiosos verão o filme para descobrir. Para este insignificante artigo, o que contei é suficiente.



A conversão é um direito

Devemos novamente questionar o que é isto de ser má pessoa. Apelidamo-los de ladrões, assassinos, etc. Pensamos que nada de útil ou bom poderá vir daquela gente. Olhamos para eles e só conseguimos ver a facada, o disparo, a correria desenfreada com o ouro alheio nos bolsos. Mas será que não há mais? À partida, podemos perguntar porquê. Uns não quererão trabalhar, outros têm prazer em fazer mal, em prejudicar, em magoar. Mas o certo é que alguns daqueles foram vítimas de uma infância de terror. Mães esquecidas, pais bêbados, agressivos.

Temos por certo que quem se comporta mal, seja onde for, deve ser punido. A punição é uma fonte de educação, para crianças e adultos. Contudo, a punição justa pressupõe que sejamos capazes de perdoar. É fundamental acreditar que dentro de todos os corações, mesmo que seja num recanto escondido e esquecido, há uma boa mulher ou um bom homem. Ora, a punição tem de ser uma viagem de descoberta e crescimento da parte boa que todos guardamos dentro de nós.

Afinal, a conversão é não só um dever, mas também um direito de todos

Comentários